O Marquez de Pombal
Manuel Garcia
Manuel EmГdio Garcia
O Marquez de Pombal / Lance d'olhos sobre a sua sciencia; politica e systema de administraГ§ГЈo; ideias liberaes que o dominavam; plano e primeiras tentativas democraticas
Deparam-se mui varias, e atГ© contradictorias, apreciaГ§Гµes e juizos sobre o caracter e obras do celebre Marquez de Pombal.
Livros de recentissima data, fabricas de muito pezo litterario e primores de arte, ricos de substancia, e nГЈo menos opulentos de formas, reproduzindo-as, parece quererem de novo levantar pleito, propor acГ§ГЈo e renovar processo, que nГЈo logrou ainda passar em julgado.
Mas nГЈo se diga que por parte do auctor d'este apoucado escripto ha tanta vaidade e tamanho arrojo, que ouse inculcar-se para juiz officioso em tГЈo graves contendas; consintam-lhe todavia, e para isso pede antecipada venia, que deponha em processo, no qual a posteridade, e talvez ainda o nosso publico illustrado, ha de proferir, algum dia, e lavrar sentenГ§a definitiva.
NГЈo Г© para alardear thesouros de sciencia e pompas de erudiГ§ГЈo; que tГЈo arredadas nos andam uma e outra, que mal de longe as enxergamos em poder de alguns privilegiados, que, merecendo muito a Deos, nГЈo pouco devem ГЎ fama que os apregГґa; o que sГі nos achega, porque a todos chega, Г© o amor da verdade e o zelo da justiГ§a.
E foi a verdade que nos citou, para comparecermos no tribunal da imprensa: se fingindo ser tal nos illudiu o erro, valha-nos de desculpa, para bem merecer perdГЈo, a boa fГ© com que, sem a menor sombra de rebeldia, nos damos ГЎ obediencia.
As paginas, que ao diante vГЈo, fazem parte de um livro, que o auctor compoz e escreveu em 1866, quando a apparicГЈo do projecto do codigo civil no seio da representaГ§ГЈo nacional levantou, servindo-lhe de pretexto, porfiada lucta entre o partido liberal e o bando reaccionario, que a provocou.
Em mingoado tempo, e ainda assim cortado por outros maiores e mais austeros trabalhos e cuidados, se concluiu o manuscripto; e logo foi mettido em carcere privado ГЎ espera da ultima demГЈo, para nГЈo haver de saГr em liberdade, sem se lhe alimparem erros e expurgarem peccados, que nГЈo ha ahi obra de homens, por mais acabada de bigorna e lima, que os nГЈo tenha ou d'elles possa eximir-se.
E com effeito, imperiosas circumstancias e motivos ponderosos estorvaram o auctor, e bem contra sua vontade, de saГr a pleitear na contenda em prol da liberdade e dos liberaes, contra quem se erguia e praguejava mais uma vez, em descomposto e mal soante vozear, a turba dos retrogrados. NГЈo nos amedrontaram clamorosas gritas de injusta, se nГЈo ainda mais fingida e calculada indignaГ§ГЈo, odios ameaГ§adores de raiva accesos, que nГЈo ha receios, nem escrupulos, onde entranhadas convicГ§Гµes se alentam; nem fomos levados do temor de affrontar-lhe as iras vans, que nГЈo falecem animos e coragem, quando a consciГЄncia Г© pura e as intenГ§Гµes desinteressadas; nem pode a ignorancia de uns, o fanatismo de outros e a hypocrisia de muitos vencer ou sequer dobrar espiritos rectos.
D'esse livro ainda se evadiram como rebeldes e saГram a lume alguns capitulos, abrigando-se, mais como fugitivos do que hospedes, em dous periodicos litterarios —O Povo e A Academia. – Mas como Г© sorte, e nГЈo sei se melhor diga, fatal destino de todas as publicaГ§Гµes d'este genero, tГЈo frequentes na nossa Lusa Athenas, que bem se parecem com as flores do outomno, que abrem com a aurora, fecham e morrem ao caГr das sombras em um mesmo dia, – tГЈo curta foi a duraГ§ГЈo dos dous periodicosinhos, que nos ficГЎmos a comeГ§o da longa derrota que poderiamos percorrer.
Nesse pouco, que do incognito e encarcerado manuscripto passou ГЎ liberdade e a correr mundo, vem o que reproduzimos agora: bem pode ser que algum dia nos dГЄ na vontade e resolvamos fazer correr o livro inteiro, em demanda de bom e generoso gazalhado; e de experimental-o comece jГЎ, para que, posto nГЈo merecer subida estimaГ§ГЈo obra de tГЈo mediano vulto, nГЈo tenha o auctor de arrepender-se d'esta sua primeira tentativa.
I
NГЈo foram sГі os ger